Devia haver umas comemorações para desconstruir o 25 de Abril
O golpe de Estado do 25 de Abril foi, essencialmente, um golpe corporativista das elites da Academia Militar contra os oficiais milicianos que por serem indispensavéis na Guerra Colonial adquiriam direitos semelhantes.
O golpe foi feito contra o beco sem saída de 13 anos de guerra colonial. Mas o facto é que muitos heróis do 25 de abril quiseram manter a guerra até muito tarde. Militares mais velhos do 25A não impediram que ela começasse. E podiam tê-lo feito.
O golpe do general Botelho Moniz , em 12 de Abril de 1961, com uma saída política para as colónias, fracassou. Era a oportunidade de ouro portuguesa, numa altura em que a Europa evoluída descolonizou. Adriano Morreira até subiu a ministro sob os escombros de Moniz.
O golpe de Beja de Humberto Delgado em 31 de Dezembro de 1961 também fracassou, sem apoio das estruturas militares. O general foi assassinado em 1965 sem que os militares levantassem um dedo, continuando alegremente a guerra colonial. Foi o civil Mário Soares quem defendeu com unhas e dentes o legado de Delgado.
Os militares do 25 A entregaram as colónias de mão-beijada. Foram eles os autores, em Julho de 1974 de uma lei (Lei 7/74) que, na prática, reconheceu de imediato a independência das colónias. Os interesses portugueses ficaram absolutamente prejudicados. Centenas de milhares de colonos tiveram de regressar de imediato a Portugal.
Era compreensível que os militares não quisessem lutar mais? Claro que era.
Foram Salazar e Caetano os grandes responsáveis? Claro que foram.
Mas foram os militares que alimentaram a guerra. Sendo responsáveis, não podiam escolher a debandada.
Muitos militares pró-comunistas que fizeram o 25 de Abril instauraram uma ditadura em Portugal em 1975.
Lutaram contra Spínola e apoiantes no golpe de 11 de março de 1975, impedindo certamente uma ditadura de sinal contrário? Claro que impediram.
Mas, fazendo abortar uma ditadura, não tinham de criar outra.
No golpe de 25 de Novembro de 1975, os militares comunistas do 25 A, apoiados pelo PCP e outras forças de extrema esquerda, tentaram a sua sorte. Dominavam os sindicatos e as ruas cheias de radicais, ao ponto de terem sequestrado o Parlamento em Novembro de 75 com a ajuda dos operários da construção civil. Em termos eleitorais tinham apenas 14 por cento de votos, (obtidos nas primeiras eleições de 25 de Abril de 1975). Foram parados pelos militares moderados afectos ao PS.
Só que muitos militares que fizeram o 25 de Novembro eram cripto-comunistas, com Melo Antunes à cabeça. A acção golpista do PCP foi de imediato branqueada. Até hoje, aos tempos da geringonça.
Alguém queria o PCP ilegalizado ou os seus militantes perseguidos? Claro que não.
Mas o branqueamento apressado do PCP deixou coisas mal resolvidas debaixo do tapete. Tornou-se uma questão ideológica no país. Como se o PCP até tivesse razão mas não pudesse levar o seu sonho avante num país da Europa ocidental. Como Álvaro Cunhal disse em 27 de Abril de 1974, na primeira audiência que teve com o general Spínola: “Ai que coisas tão lindas, podíamos fazer no país, se o senhor general, quisesse”.
O 25 de Abril tem ainda esta grande mácula do 25 de Novembro mal resolvido.
Os moderados do 25 de Novembro, no fundo parte dos homens do 25 de Abril, foram depois mais à frente os radicais, quando nos anos 1980, não quiseram acabar com o Conselho da Revolução e não queriam uma lei civilística das Forças Armadas (como hoje ainda se atrevem a contestar a reforma das FA com um comando unificado)
Desiludidos e revoltados ainda se aproximaram mais do PCP. A Associação 25 de Abril é um bom exemplo. Como é o seu presidente, Vasco Lourenço, que de tempos a tempos diz que é preciso um novo 25 de Abril. Nos tempos da troika, queria por os tanques nas ruas…. Com os comunistas os almoços nunca são grátis. O PCP, como boa máquina operacional e de propaganda que é, facilmente se apoderou da bandeira do 25 de Abril. A Associação 25 de Abril é a imagem de um apêndice.
Hoje, mesmo quando são as instituições a comemorar o 25A, é o PCP quem mais desfruta com a sua velha cassete, do “espírito” e das “conquistas de Abril”.
São mais máculas…
O “dia inicial inteiro e limpo”, do poema de Sophia de Mello Breyner, foram só os primeiros dias… Depois vieram os céus carregados.
É preciso desconstruir o 25 de Abril… Já agora no 10 de Junho, Dia de Portugal.
É com a desconstrução do 25 de Abril que se podem conquistar novas gerações para o que foi de facto o 25 de Abril, para as democracias maduras mas sempre imperfeitas na vida dos países. Sem mentiras, nem carnavais ideológicos. Como se desconstruiu já o regicídio e o 5 de Outubro de 1910.