Portugal: a ilusão é um modo de vida
Começou a dizer-se que a Alemanha teve um Bloco Central entre os democratas-cristãos e os social-democratas nos últimos dez anos e é um país de sucesso.
Que os extremos políticos nem cresceram com esta fórmula alemã.
Que Portugal deve adoptar o exemplo, como se o exemplo alemão pudesse ser transposto para Portugal.
Na Alemanha, o Bloco Central serve para gerir melhor a riqueza.
Em Portugal, o Bloco Central serve para fazer reformas e cortar os vícios e ilusões portuguesas.
Ora, é difícil em Portugal combater vícios e ilusões, por exemplo a ilusão de que no actual quadro capitalista global (que perdura e irá continuar por muitos anos) é possível subir salários e viver bem praticamente sem trabalhar e produzir. Ou que é possível o Estado ser o principal empregador, solução adoptada pelos países comunistas que ruíram e que Portugal tem cavado, como demonstra a contratação de mais trabalhadores públicos nos últimos dois anos. Ou que é possível fazer crescer os salários sem ter um modelo de desenvolvimento sólido e diversificado, resistente a imprevistos.
O líder do PCP Jerónimo de Sousa revoltou-se há dias por a Alemanha subir o salário mínimo em 400 euros e o SMN teutónico já ir nos 2000 euros e Portugal andar a discutir subidas de vinte em vinte euros até aos 800 euros.
Tanto António Costa, como Rui Rio e Paulo Rangel referem hoje ao eleitorado que os salários em Portugal são muito baixos e precisam aumentar, falando ao coração dos portugueses em tempo de campanha.
É evidente que os salários deviam aumentar.
Mas como se aumentam salários no modelo de desenvolvimento único que Portugal adoptou?
O turismo, com os seus hotéis e restaurantes a pulular, é um sector muito exposto num mundo pandémico que veio para ficar nos próximos anos.
Fora disto, nada se criou nos últimos anos. O computador Magalhães era uma boa ideia mas que não se soube construir nem aplicar.
O lítio é um desafio mas que pode amputar metade de um país geograficamente pequeno para um desastre ambiental.
Perante a fragilidade e a incapacidade da resposta portuguesa, a criação de ilusões é há muito o modelo.
Hoje, defende-se o aumento de salários como se a riqueza crescesse debaixo das pedras.
E cria-se a miragem do Bloco Central quando é bem sabido que os portugueses não estão preparados para reformas que doam a valer.
Na Alemanha, os extremos não cresceram com o Bloco Central mas aqui é provável que tal aconteça, até já nas legislativas de 30 de Janeiro, como voto de protesto contra o cenário desta solução política e os perigosos destruidores das ilusões.
A ilusão é um modo de vida português há muitos séculos. Não é fácil combatê-la.
A quimera de Alcácer-Quibir.
A quimera do V Império (depois do assírio, persa, grego e romano) É espantoso que, fora o interesse literário do Padre António Vieira, se continue hoje, praticamente sem auto crítica, a formar gerações fazendo a elegia ideológica do V Império português em que Cristo regressava à terra e os portugueses em diáspora eram o povo eleito salvador do mundo. Isto em pleno século XVII, que assiste no final à invenção da máquina a vapor, curiosamente um ano depois da morte do jesuíta.
A quimera beata que D. João V fez perdurar durante um reinado de quase 50 anos. (parece sina Portugal andar de desgraça em desgraça de 50 em 50 anos, se lembrarmos a ditadura de Salazar e Caetano e o regime pós 25 de abril que ao fim de 50 anos não encontra uma solução sustentável)
A quimera do mapa cor de rosa no século XIX, numa altura em que grandes potências, como o Reino Unido e a Alemanha, queriam também o seu quinhão africano e um país fantasioso como Portugal queria alargar o seu, entre Angola e Moçambique.
A quimera dos anos 1960 que Portugal podia viver com as suas colónias, alimentando uma guerra insana com milhares de vítimas.
A quimera de que é possível viver de fundos europeus e empréstimos, num país que tem uma das maiores dívidas públicas do mundo, sem crescimento económico para a sustentar.