Quando os EUA adoravam Putin: “Posso tratá-lo por Vladimir?”
George W. Bush estava maravilhado com o facto de Vladimir Putin usar uma medalha cristã ao peito, oferecida pela mãe e benzida em Israel numa vista do presidente russo ao Médio Oriente.
Viviam-se os tempos do pós 11 de Setembro de 2011 e Putin apoiava os EUA e o presidente Bush na luta contra o terrorismo no Afeganistão, colocando as tropas russas à disposição dos norte-americanos para operações logísticas e para o socorro dos pilotos abatidos em voo nos céus do Afeganistão.
“Estamos aqui para ajudar”, disse Putin a George W. Bush. Quem o conta é Bob Woodward no seu livro “Bush em Guerra”, um dos jornalistas que denunciou o caso Watergate.
Em momentos de apuros, os norte-americanos, independentemente de estarem republicanos ou democratas na Casa Branca, tornam-se aliados de países com características muito diferentes. Quando perdem o interesse egoísta geoestratégico humilham, são capazes de mentir e tornam-se os piores inimigos. Já foi assim com o presidente iraquiano Saddam Hussein em 2003 (apoiado por Ronald Reagan na década de 1980) e com o presidente panamiano Manuel Noriega (apoiado por Jimmy Carter nos anos 70).
O Objectivo publica extractos do livro de Bob Woodward, retratando as conversas entre George W. Bush e Vladimir Putin nos meses a seguir ao atentado de 11 de Setembro de 2001 contra o Wrold Trade Center em Nova Iorque:
“Vamos apoiar-vos na guerra contra o terror – disse Putin . Com a ajuda de tradutores [George W. Bush e Vladimir Putin] estiveram a falar durante 42 minutos (…)
Estamos disponíveis para ajudar nas operações de busca e salvamento, caso sejam abatidos pilotos vossos no Norte do Afeganistão. Estamos preparados para isso. (…) Estou disponível para dizer aos chefes de governo dos estados da Ásia Central com os quais temos boas relações que não nos opomos a que os Estados Unidos tenham um papel a desempenhar na Ásia Central desde que seja para travar a guerra contra o terror e que seja temporário e não permanente. (…)
[Vladimir Putin] disse que estava a fazer mais pelos Estados Unidos do que alguns dos seus aliados tradicionais. [Condolezza] Rice ficou surpreendida (…) “Estou aqui para ajudar “ , era a mensagem que estava a ser enviada . (…)
O presidente [George W. Bush] via a relação com Putin em termos profundamente pessoais . Numa entrevista, descreveu nos seguintes termos a sua primeira reunião com Putin a 16 de junho de 2001, em Liubliana, na Eslovénia: Putin entra, senta-se, e ficamos só eu, a Condi [Condolezza Rice], Putin e um outro tipo… parece-me que se chama Rashilov , e os dois intérpretes . Putin quer começar . E eu digo-lhe, ‘Deixe-me só falar-lhe de uma coisa que me chamou a atenção, senhor presidente. A sua mãe deu-lhe uma cruz que o senhor mandou benzer em Israel, a Terra Sagrada’ . E ele disse , ‘É verdade’ . Eu disse que tinha ficado muito admirado por ele ser comunista, um agente do KGB e estar disposto a usar uma cruz . ‘Isso diz-me muito, senhor presidente . Posso tratá-lo por Vladimir ?’ E então, a partir daí passámos a ser Vladimir e George. E Putin disse: ‘Bem, o resto da história é que andava com a cruz. Depois pendurei-a numa dacha . A dacha ardeu, e a única coisa que eu queria saber era se a cruz se tinha salvo . Lembro-me de ver o bombeiro a abrir a mão e lá estava a cruz que a minha mãe me tinha dado, como se estivesse predestinada a continuar na minha posse’.
(…) Depois ele [Putin] passou imediatamente à questão da dívida soviética e a injustiça que era a Rússia ter sobre os seus ombros a dívida da União Soviética, e perguntou se podíamos ajudar. Eu estava mais interessado na pessoa com quem estava a falar. Queria ter a certeza de que a história da cruz era verdadeira. Era a velha palavra de ordem de Reagan, ‘Confia, mas verifica’, mas agora num enquadramento completamente novo.
Putin mostrou a cruz a Bush passado um mês, num encontro em Génova , na Itália .
A nossa reunião foi um êxito [diz George W. Bush] E eu tinha- o convencido de que já não via a Rússia como um inimigo e que, a nível pessoal, o via a ele como alguém com quem podia negociar”
In Bob Woodward, Bush em Guerra, Gradiva, Lisboa 2003