José Saramago: “Não haverá socialismo em Portugal sem Vasco Gonçalves”
José Saramago, director-adjunto do “Diário de Notícias”, escreveu em editorial do jornal de 23.08.1975 um artigo premonitório sobre o então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, elogiando-o: “saído ele não haverá socialismo em Portugal”. No final, também acerta na mouche quando diz: “a responsabilidade dos militares é hoje tão grande como isto: ajudar o primeiro passo para o socialismo ou ser o seu coveiro”.
O V Governo de Vasco Gonçalves só durou um mês e meio e caiu por influência determinante dos militares moderados do Grupo dos Nove, que tiveram também papel crucial na vitória do golpe 25 de Novembro de 1975, que instaurou uma democracia clássica de tipo ocidental em Portugal.
Vasco Gonçalves corporizou a linha de esquerda, próxima do PCP, que quis instaurar o socialismo em Portugal através da revolução conduzida por militares alinhados com esta corrente e um movimento de massas aliados. Apesar de alguns militantes do PCP apoiarem este caminho, Álvaro Cunhal e a direcção política do partido não o apoiaram e exortaram militantes e apoiantes a não o fazerem no 25 de Novembro.
O Objectivo publica um extracto do editorial referido de José Saramago:
“Em nossa humílima opinião, o primeiro-ministro Vasco Gonçalves é homem para o socialismo, o único entre as figuras históricas do MFA. Se é político para um dia ou para dez anos, não futuramos. Apenas prevemos que saído ele não haverá socialismo em Portugal. Apenas prevemos que ficando ele talvez haja tempo para que se preparem, na boa prática, os futuros dirigentes populares que hão-de construir, firmar e defender a sociedade socialista portuguesa. Ninguém pode fazer o socialismo sem o povo, e o povo não o poderá fazer enquanto este jogo da cabra-cega ou de quatro-cantinhos empatar o caminho. A responsabilidade dos militares é hoje tão grande como isto: ajudar o primeiro passo para o socialismo ou ser o seu coveiro.”