Um país fracturado entre esquerda e direita
O país está abertamente encarniçado, fracturado, dividido entre ideologias e costumes.
O sucesso eleitoral do Chega trouxe para a ribalta a direita mais conservadora e católica, sem medo de se expressar. Não é por acaso que André Ventura é um devoto católico.
O livro ultra-conservador “Identidade e Família” também é produto deste contexto e Passos Coelho, ao apresentar a publicação, aos 60 anos, fez uma surpreendente escolha de vida política pelo ultra-liberalismo, nada ficando a dever à ideologia de Trump e Bolsonaro.
Antes deste “grito de Ipiranga” da direita conservadora portuguesa era praticamente só a Esquerda que colonizava o espaço público. Fê-lo muitas vezes com enviesamentos, intolerância e muita soberba perante o pensamento conservador contrário.
Mas é incontestável que a Esquerda através desse espaço público e da circunstância de ter chegado ao poder através de dois homens com um pensamento moderno e laico, José Sócrates e António Costa, levou a cabo conquistas da modernidade como a legalização do aborto até às 12 semanas e da eutanásia. O cidadão livre tem de ter direito ao seu corpo, naturalmente dentro de determinados limites. O Estado tem de dar condições para o exercício pleno dessa liberdade mas através de uma conduta sábia, equilibrada e sensata. Não pode incentivar o aborto nem a eutanásia. Muito menos a mudança de género, onde, porém, também se situa o direito ao corpo. É preciso partir e acreditar no princípio humanitário de que ninguém tem prazer em abortar, morrer ou mudar de sexo…
Portugal vive hoje abertamente encarniçado, fracturado, dividido entre ideologias e costumes. Mas não foi sempre assim nos quase últimos séculos?
No tempo do Marquês de Pombal, os iluministas começaram a vingar-se do período das trevas católico, num país com Inquisição, uma Contra-Reforma incipiente e perseguidor de Protestantes e Judeus. Quando veio a Viradeira, com D. Maria I, foram os ultramontanos a perseguir os iluminados e liberais avant la lettre.
Liberais e absolutistas envolveram-se numa guerra civil nos anos 1820 que causou mais de 5 mil mortos.
Os republicanos começaram a criar força em 1890 e nunca mais pararam, enfrentaram as forças monárquicas, tiveram baixas, mataram um rei e implantaram a república.
A I República foi feroz com os seus opositores, sobretudo clericais, teve de enfrentar as incursões militares monárquicas e depois transformou-se num saco de gatos republicano que deu feridos e mortos, um primeiro-ministro assassinado (António Granjo) e uma instabilidade governativa patológica de um governo em média de mês a mês.
A ditadura militar do 28 de Maio de 1926 e depois a ditadura civil de Salazar perseguiu opositores e fez a vida a negra a comunistas, prendendo, torturando e matando (numa linha europeia de Hitler e Mussolini). A partir dos anos 1960 também começou a conhecer a reacção violenta dos comunistas e da esquerda mais radical, com atentados a alvos militares e assalto a bancos.
Com o 25 de Abril, os militares do MFA foram um saco de gatos idêntico ao dos republicanos da I República, divididos entre militares spinolistas e anti-spinolistas primeiro e depois entre militares moderados e radicais, estes por sua vez separados pela defesa do modelo soviético e da Europa de Leste ou do modelo de democracia directa e popular albanês e mesmo chinês. O chamado PREC, Processo Revolucionário em Curso, demorou quase dois anos, até ao 25 de Novembro de 1975, e envolveu não só os militares das diferentes linhas ideológicas como os partidos e os civis, sobretudo o PCP e o PS, neste ultimo se acantonando de forma útil toda a direita para combater os comunistas.
Primeiro os sectores de esquerda perseguiram e prenderam os elementos conservadores nos golpes spinolistas do 28 de Setembro de 1974 e do 11 de Março de 1975. Depois desta última data, os conservadores reagiram e assaltaram, queimaram e destruíram sedes do PCP, fizeram atentados contra a esquerda e mataram gente através de um rede bombista sedeada em vários locais do norte do país e em Espanha.
Portugal está longe de ser o país mítico dos brandos costumes.