Vasco Gonçalves reiterou confiança na NATO mas avisou que política de amizade com a URSS era para manter
O então primeiro-ministro do IV Governo Provisório, Vasco Gonçalves, garantiu em 30 de Maio de 1975, na Cimeira da Nato, em Bruxelas, a fidelidade do país à NATO, numa altura do PREC em que já era acusado pelo PS e pela direita de ser um aliado do pró-soviético PCP.
“A fidelidade aos compromissos assumidos internacionalmente, nomeadamente os decorrentes do Tratado do Atlântico Norte, foi um dos princípios enunciados desde a primeira hora da nossa revolução pelo programa do Movimento das Forças Armadas, base da estrutura constitucional portuguesa. Não devem os nossos aliados na NATO pôr em dúvida essa fidelidade. A minha presença nesta reunião parece disso garantia suficiente”, disse Vasco Gonçalves.
“Em nada do que fizemos no desenvolvimento da nossa política externa nos parece termo-nos afastado dos nossos compromissos como membros da Aliança Atlântica que somos e desejamos continuar a ser.”, acrescentou.
No entanto, Vasco Gonçalves, alertou que a política portuguesa de cooperação com os países do Leste Europeu, incluindo a URSS, iria manter-se: “Ao estabelecermos relações com os países do Leste Europeu, incluindo a União Soviética, nada mais fizemos do que seguir o exemplo que em devido tempo nos fora dado por todos os países representados em torno desta mesa”, numa alusão à política de desanuviamento ocidental.
O Objectivo publica a intervenção de Vasco Gonçalves nesta cimeira da Nato:
“Tem sido preocupação do Governo Português, desde que há pouco mais de um ano um punhado de militares, a que me honro de pertencer, puseram termo a quarenta e oito anos duma odiosa ditadura fascista que nos mantinha cada vez mais afastados do convívio internacional, estabelecer relações normais com todos os governos do Mundo, independentemente das suas ideologias. Conseguimos nos últimos meses abrir a nossa política externa a Leste e a Sul. Estabelecemos relações com os países do Leste Europeu e com o Terceiro Mundo sem prejuízo da manutenção dos laços que nos prendem aos países industrializados da Europa e aos Estados Unidos. Esta tal abertura, facilitada por uma política de completa descolonização, que temos prosseguido com a maior determinação e firmeza, representa a nosso ver a importante contribuição portuguesa para o desanuviamento das relações internacionais por que os nossos povos anseiam.
Pusemos termo a uma guerra em África que tanto nos esgotou física, psicológica e materialmente e que também constituiu motivo de séria preocupação de muitos dos nossos aliados. Abrimos o caminho para a criação no Continente Africano de novos Estados de expressão portuguesa e restabelecendo o contacto com outros povos desse Continente e do Continente Asiático com quem desde há séculos tínhamos relações de amizade e de nós se achavam afastados ultimamente devido à política de colonização seguida até há cerca de um ano pelo Governo fascista. E ao estabelecermos relações com os países do Leste Europeu, incluindo a União Soviética, nada mais fizemos do que seguir o exemplo que em devido tempo nos fora dado por todos os países representados em torno desta mesa.
Em nada do que fizemos no desenvolvimento da nossa política externa nos parece termo-nos afastado dos nossos compromissos como membros da Aliança Atlântica que somos e desejamos continuar a ser. Pela nossa situação geográfica e pelos laços que nos ligam tradicionalmente a outros países membros desta Aliança, estamos naturalmente nela integrados. Somos porém uma nação pacífica e com muitos interesses que desejamos salvaguardar. Por isso procuramos dentro do condicionalismo da nossa pertença à NATO, ter uma política externa independente e aberta às relações com todos os países que respeitam a nossa soberania e a nossa dignidade nacional. E não me parece que haja qualquer incompatibilidade entre tal desiderato e a nossa fidelidade à Aliança Atlântica.
Já depois das históricas mutações do regime político português tivemos a oportunidade de assinar a chamada declaração de Otawa, verdadeira Carta actualizada desta Aliança. O parágrafo 12 dessa Declaração contém uma enunciação de princípios e de intenções que coincidem com os objectivos do Governo que aqui represento. Não será demasiado citar aqui a seguinte passagem desse texto:
«…Ils reaffirment que leurs efforts, tendant à préserver leur indépendance, à maintenir leur securité et à améliorer le niveau de vie de leurs peuples, excluent toute agression contre qui que ce soit, ne sont dirigés contre aucun autre pays et visent à l’amélioration générale des relations intemationales. En Europe, leur objectif demeure la recherche de 1’entente et de la coopération avec tous les pays du Continent. Dans le Monde, chacun d’entre eux reconnait l’obligation d’aider les pays en voie de développement…»
Senhor Presidente:
No quadro do desanuviamento das relações Este-Oeste, que a todos nos preocupa, seguimos com o maior interesse as negociações para a limitação dos armamentos estratégicos por cujo êxito ansiamos a fim de se evitar à humanidade o espectro da hecatombe nuclear. Seguimos também interessadamente e tomamos parte activa no desenrolar da segunda fase da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa e nas Negociações para a Redução Equilibrada de Forças. Como os nossos aliados, desejamos que se progrida rapidamente na busca de resultados concretos que permitam o desmantelamento dos blocos que actualmente se afrontam na Europa e no Mundo e pelo qual afinal todos ansiamos.
A fidelidade aos compromissos assumidos internacionalmente, nomeadamente os decorrentes do Tratado do Atlântico Norte, foi um dos princípios enunciados desde a primeira hora da nossa revolução pelo programa do Movimento das Forças Armadas, base da estrutura constitucional portuguesa. Não devem os nossos aliados na NATO pôr em dúvida essa fidelidade. A minha presença nesta reunião parece disso garantia suficiente. Não desejaria no entanto terminar esta intervenção sem um desabafo. Em certos círculos internacionais têm-se verificado de há um tempo para cá, especulações que revelam apreensão pela nossa posição na Aliança. Tais especulações são infundadas e resultantes duma grande falta de compreensão do nosso processo revolucionário e dos nossos objectivos de independência nacional. Seja-me permitido neste lugar e neste momento pedir, em relação ao meu País mais compreensão e menos apreensão. Tive já oportunidade de contactos bilaterais com alguns de vós no quadro desta reunião cimeira. Espero que tais contactos tenham podido contribuir para o aumento da compreensão a que me referi e que a meu ver é indispensável para que a expressão «Solidariedade Atlântica» não seja uma palavra vazia de significado.”
Fonte: Arquivo Marxista na Internet
https://www.marxists.org/portugues/goncalves-vasco/1975/05/30.htm