A prisão e tortura de Rosa Coutinho
Rosa Coutinho, o almirante que pertenceu à Junta de Salvação Nacional após o 25 de Abril e foi o Alto-Comissário para Angola antes da independência da colónia, esteve preso no Congo entre 9 de Agosto e 22 de Novembro de 1961, onde foi torturado e seviciado, acusado de espionagem.
A guerra colonial levava seis meses e o 1º Tenente Rosa Coutinho, que comandava o Navio Hidrográfico Carvalho Araújo, foi incumbido de percorrer o Rio Zaire, na fronteira que divide o Congo e Angola, para estudar as características da região onde já operavam guerrilheiros da UPA (depois FNLA), responsável pelo massacre de centenas de colonos brancos no norte de Angola, em 15 de Março de 1961.
Rosa Coutinho, mais três marinheiros do navio, foram aprisionados pelas forças policiais e militares do Congo, país que se tinha tornado independente da Bélgica há um ano, e mantido na cadeia de Mankala, no sul do país.
Quando foi libertado, através da intervenção da PIDE em Angola e de comerciantes portugueses influentes no Congo, e regressou a Portugal, Rosa Coutinho escreveu um longo relatório, que se encontra publicado no livro “Rosa Coutinho, Prisioneiro na República do Congo”, da autoria de Carlos Almada Contreiras, Edições Colibri.
O Objectivo recorda extactos do relatório escrito por Rosa Coutinho, datado de 20 de Dezembro de 1960 e entregue aos responsáveis da Marinha.
“Considerado então como espião prisioneiro fui conduzido ao camion militar onde seria efectuado o nosso transporte e onde fui encontrar os três marinheiros já muito maltratados. Aí comecei igualmente a ser maltratado e batido, mesmo na presença do próprio coronel, que a nada se opôs.”
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“O transporte para Leopoldville em camion militar foi talvez o momento em que as nossas vidas correram mais sério risco, pois entregues a uma soldadura indisciplinada, que durante todo o trajecto se entreteve em bater-nos com as coronhas e canos das armas carregadas, fácil seria ocorrer um “acidente”, provocado ou não, que mais tarde poderia ser explicado como tentativa de fuga malograda. Acresce ainda que em todas as localidades onde parávamos os próprios soldados se encarregavam de fazer contra nós uma propaganda que excitava a população a ameaças de linchamento imediato.”
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“Não alongarei este relatório com a descrição das brutalidades e maus tratos de que fomos alvos durante esta viagem. Interessa apenas registar que com tal exército não será nunca lícito esperar um tratamento humano de prisioneiros, quer sejam militares ou civis.”
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“O que foi a nossa vida durante os primeiros dias de prisão, entregues aos caprichos de 700 prisioneiros negros, na sua grande maioria hostis aos brancos (e envenenados de propaganda contra os militares portugueses) é difícil de imaginar. Logo nessa madrugada fomos espancados e espoliados de todos os objectos de uso pessoal que nos restavam (relógios, carteiras, canetas, etc.) e que despertavam qualquer cobiça na petralhada (…) A descrição da vida miserável que fomos obrigados a passar no meio daquela prisão sem ordem onde se albergava a escória negra de Leopodville sairia talvez fora do âmbito deste relatório e certamente o alongaria desmesuradamente.”