Caso Sócrates: para o PS tudo azul como dantes
Juridicamente, no que respeita aos crimes de corrupção, onde Sócrates não foi pronunciado, está tudo em aberto. O Ministério Público vai recorrer da decisão instrutória de Ivo Rosa e o colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa decidirá. É sabido que nos últimos três anos, este tribunal superior revogou a esmagadora maioria das decisões deste juiz de instrução.
Por sua vez, as “fantasias” com que Ivo Rosa atacou a acusação do Ministério Público podem virar-se contra ele. Fantasiosas foram algumas desconstruções da acusação feitas pelo juiz de instrução, não recorrendo a fluxos financeiros e à prova indirecta para pronunciar Sócrates e outros arguidos, mesmo que por outros crimes que não os do entendimento do Ministério Público.
Juridicamente, no que respeita aos crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos, pronunciados por Ivo Cruz contra Sócrates e o amigo Carlos Santos Silva, a tarefa é hercúlea para o ex-primeiro-ministro. Estes crimes, segundo Ivo Rosa, assentam em quase dois milhões de euros de despesas ou entregas de dinheiro por Carlos Santos Silva directamente a Sócrates ou indirectamente a pessoas próximas deste.
Sócrates diz que eram empréstimos mas as regras da vida e da experiência dificilmente são compatíveis com esta visão, como disse Ivo Rosa. Até porque Sócrates ainda não pagou ao amigo uma boa parte dos “empréstimos”.
Como também adiantou o juiz de instrução, Carlos Santos Silva contava com a posição política cimeira do amigo para obter vantagens e influência.
Do ponto de vista político, o caso Sócrates acabou hoje e só deve regressar à agenda com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e com o julgamento mas, certamente, com muito menos impacto mediático.
Sócrates continua morto politicamente e é quase impossível reerguer-se.
Aliás, ontem, quando falou aos jornalistas no Campus da Justiça mostrou-se, de novo, um homem perturbado e fora da realidade.
Para o PS, que fez dele um mero caso criminal, um homem sozinho com “a sua verdade”, como disse António Costa em 2014, à matador, quando o foi visitar à prisão de Évora, tudo continua como dantes, sem incomodar o PS e o governo , sem danos políticos.
Dentro do PS muitos fingiram que não viram nada durante anos a fio, em que se sentaram com Sócrates à mesa e o adularam.
Foi uma grande operação de branqueamento político.
O PS safou-se em pleno do caso Sócrates, como prova o regresso dos socialistas do PS ao poder em 2015. E até se deu ao luxo de levar muita tralha socrática para o Largo do Rato e para S. Bento.
Como se tem safado olimpicamente de outros casos judiciais.
Safou-se nos anos 1980 do caso do fax de Macau, do caso Emaudio, das denúncias de Rui Mateus. Quando o governador Carlos Melancia, nomeado por Mário Soares, foi absolvido do crime de corrupção numa votação por dois juízes a um no Tribunal Criminal de Lisboa.
Safou-se do caso Casa Pia nos anos 2000, quando o Tribunal da Relação de Lisboa mandou Paulo Pedroso em paz, ainda que as testemunhas que envolviam o ex-ministro fossem as mesmas que levaram Carlos Cruz à condenação.
Paulo Gaião
Director