Um equívoco chamado Ucrânia
O Ocidente, os EUA e a Europa, estão a brincar com o fogo na questão da Ucrânia.
Ameaçam a Rússia de retaliação se invadir o Leste e Sul da Ucrânia, num território onde se concentram populações de origem russa, cerca de 10 milhões.
Se a Rússia recuar, é uma grande vitória diplomática do Ocidente.
Mas se não recuar e o Ocidente cumprir a sua ameaça, indo além das sanções económicas, pode envolver-se numa guerra com a Rússia, provavelmente mundial, dificilmente justificável.
Muitos conflitos começam porque há crenças erróneas e enormes erros de avaliação.
Por um lado, a invasão da Ucrânia, a concretizar-se, não cria um desequilíbrio global de forças insustentável, favorável a Moscovo. A Rússia invadir a Ucrânia não é o mesmo que a Alemanha ter invadido a Polónia em 1939, depois de ter anexado a Áustria e invadido a Checoslováquia.
Por outro lado, o Ocidente, que nos últimos anos interveio no Iraque, Afeganistão, Líbia, Sérvia e Kosovo, em zonas de antiga influência da Rússia e da ex-URSS, não tem legitimidade política e moral, numa perspectiva de realpolitik, para abrir uma guerra com a Rússia porque esta invadiu o Leste da Ucrânia visando preservar o seu espaço vital e estender a sua soberania às populações russófonas deste território.
Em 2014, quando invadiu e anexou a Crimeia, Moscovo mostrou que era a sua vez de intervir militarmente no que considera o seu espaço geoestratégico e exigir idêntica tolerância ao Ocidente. Na altura, EUA e Europa corresponderam.
Hoje, numa continuação desta política seguida na Crimeia, Moscovo quer garantir a sua influência no Leste da Ucrânia e sente-se devedora da mesma tolerância do Ocidente, de forma a reequilibrar a relação de forças mundial, largamente deficitária em relação a Moscovo desde o fim da URSS.
A crise do Ocidente não tem a ver com um problema clássico de espaço e influência militar — os EUA e a Europa nunca estiveram tão fortes como hoje — mas deriva de uma profunda crise de valores.
O Ocidente, os EUA e a Europa, ganharam uma espectacular influência com o fim da guerra fria.
A URSS desintegrou-se.
O Pacto de Varsóvia dissolveu-se.
Ficou a NATO. Esta organização fortaleceu-se com a adesão de vários países que antes pertenciam ao Pacto de Varsóvia, giravam na órbitra de Moscovo ou eram governados por Partidos Comunistas. O número de países que mudaram de campo e hoje integram a NATO é impressionante: Polónia, Hungria, Bulgária, Roménia, República Checa e Eslováquia (ex-Checoslováquia), Estónia, Letónia, Lituânia, , Macedónia do Norte, Montenegro, Eslovénia e Croácia (ex-Jugoslávia).
A Rússia tolerou este impressionante alargamento da NATO, com os despojos da URSS e do comunismo.
Nas últimas décadas, o Ocidente fez o que quis militarmente em muitas zonas do Globo e a Rússia tudo tolerou.
O Ocidente fez a guerra do Golfo em 1990.
A NATO interveio militarmente no Kosovo e na Sérvia, em zonas de influência tradicional de Moscovo.
Os EUA invadiram o Iraque em 2003 e o Afeganistão, dois países onde a Rússia teve influência.
O Ocidente depôs Muammar Khadafi e executou Saddam Hussein, dois aliados de Moscovo, (pelo menos em alguns momentos históricos)
Moscovo ou fechou os olhos ou nunca reagiu a estas operações.
Hoje Moscovo, considera chegada a hora de se fazer pagar (completando a factura de 2014 relativa à Crimeia.