Mais uma pérola de Rui Rio
Rui Rio não perdoou a detenção de João Rendeiro a mês e meio das eleições, aparentemente beneficiando o governo, e as várias aparições televisivas do director da PJ, Luís Neves, no passado sábado.
Comentou que “o azar de João Rendeiro foi haver eleições em Janeiro”. O Presidente da República respondeu-lhe indirectamente que ele “não tinha noção”. Insistiu a 14.12.21 em entrevista à RTP, dizendo que Luís Neves fez um “foguetório”.
São mais pérolas de Rui Rio.
Se não pode provar que Rendeiro foi detido por causa das eleições, é melhor estar calado. Rio não é comentador de café, a a quem se desculpam estados de alma, mas candidato a primeiro-ministro.
Por sua vez, não se pode acusar Luís Neves de vedetismo. É um homem discreto e a primeira vez que aparece na televisão com esta frequência.
De uma só penada, Rui Rio demonstra também (e uma vez mais) o “partis pris” em relação ao sistema da justiça e à comunicação social.
No que se refere à justiça, Rui Rio não percebe a técnica e os procedimentos. E não respeita nem acredita nas decisões dos juízes.
Há mais de dez anos, Rio ficou indignado porque o Tribunal da Relação do Porto não condenou criminalmente o jornalista Augusto M. Seabra por lhe chamar “energúmeno” (Rio ganhou, porém, na primeira instância).
No acórdão, o Tribunal da Relação do Porto, datado de 2007, refere:
“Não preenche o tipo objectivo do crime de difamação a conduta do jornalista que, em escrito publicado num jornal, dirigindo-se a um presidente de câmara municipal, a propósito de tema cultural, o apelida de energúmeno, com o sentido de indivíduo ignorante, boçal e que pratica desatinos”.
Rio também nunca percebeu que os tribunais administrativos tenham obrigado a Câmara do Porto, quando ele era presidente, a compensar a preço de mercado particulares e promotores que perderam a posse sobre o Parque da Cidade. Mas tratou-se de uma matéria de direitos dos particulares. Um dos grandes avanços no 25 de abril de 1974 foi, precisamente este, relativo ao Direito Administrativo e às garantias administrativas.
No que respeita à comunicação social, Rio não percebe simplesmente a lógica jornalística, a insistência no tema do momento, a repetição de imagens, de entrevistas.
Nem percebe nem respeita as perguntas que os jornalistas lhe fazem.
Verdadeiramente, Rio parece querer decisões judiciais e abordagens jornalísticas diferentes e definidas por ele.
Não entende, simplesmente, a separação de poderes e o sistema de checks and balances, característico das melhores democracias.
Os tribunais e o jornalismo podem e devem discutir-se, como todos os poderes, mas sempre tendo como limite a sua independência do poder político e do poder económico (esta última cada vez mais difícil de garantir).
A única reflexão de Rio que se conhece, em décadas de vida pública, sobre os tribunais, os jornais e as televisões, visou sempre aumentar o seu controlo por órgãos ou elementos externos oriundos da estrutura política do Estado.
Por exemplo, em relação à composição do Conselho Superior do Ministério Público, orgão que define o provimento e a disciplina dos procuradores, Rui Rio defende que estes magistrados devem estar em minoria, para serem melhor controlados, com o poder político a indicar mais membros para o órgão do que o corpo judicial.
Por sua vez, no que se refere à composição do Conselho Superior da Magistratura, Rio defende o aumento da representação dos não magistrados e até das profissões não jurídicas, aumentando também o número de nomeados para o CSM pelo Presidente da República.
É bom lembrar uma frase de Vasco Lourenço, num colóquio com magistrados, numa altura, logo a seguir ao 25 de Abril, em que os militares dominavam totalmente o país: “Como cidadão já me tenho perguntado de onde vem a legitimidade dos juízes, uma vez que não são eleitos”.
Ora, no dia em que se elegessem os juízes, estes deixavam de ser juízes e passavam a ser políticos.
Nem seriam necessárias formas de controlo político dos magistrados porque os juízes seriam eles mesmo políticos.
Há sempre novas e ousadas formas de aferir se o poder judicial funciona bem mas certamente não passam pela mediação dos partidos e do poder político, colocando em causa a independência dos tribunais, mas pelo poder dos cidadãos e da sua quota de representação no Conselho Superior da Magistratura, dando, aliás, aplicação à máxima legal que a justiça é exercida em nome do povo.
Concordo com a questão central deste teu artigo: a dificuldade que a generalidade dos politicos têm de respeitar e interiorizar a separação de poderes em que o nosso sistema se baseia. Mas nesse ponto acho que o Rui Rio é benigno. Lembremo-nos nos atropelos que o PS fez a este sistemas no caso Casa Pia e principalmente no caso Sócrates em que houve uma altura que as visitas a Évora concorriam com as visitas a Belém ou a S. Bento. Aliás neste mesmo contexto não nos esqueçamos também do caso TVI e Manuela Moura Guedes.
Como referiste e muito bem, o PCP não transformou todos os juizes em comissários do povo, leia-se do partido, porque não o deixaram.
Portanto Paulo, neste campeonato do atropelo à separação de poderes e a à liberdade de imprensa o Rui Rio é da liga dos últimos, sem dúvida nenhuma.