Marcelo Rebelo de Sousa andou uma vida inteira a fazer fugas de informação
O Presidente da República é um caso complexo de personalidade. Quando esta semana apareceram publicados na comunicação social os nomes dos ministros do novo governo de António Costa, antes da lista oficial ser apresentada em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa não escondeu a irritação:”espero que a lista seja igual à que tem saído nos jornais”. Cancelou mesmo a audiência oficial com o primeiro-ministro António Costa, destinada à apresentação da lista oficial de ministros.
Quem conhece bem Marcelo de certeza que se divertiu com o arrufo do Presidente da República.
Marcelo, antigo jornalista e comentador político, passou uma vida inteira a revelar conversas privadas e confidenciais aos jornais, dando azo a profundas desilusões dos interlocutores com ele.
A mais grave foi a que envolveu o então primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão, como conta este no seu livro de memórias, recentemente editado.
Marcelo Rebelo de Sousa foi secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e mais tarde Ministro dos Assuntos Parlamentares do segundo governo de Pinto Balsemão, na década de 80.
Porém, não aguentou muito tempo como ministro. Entrou em Junho de 1982 e demitiu-se em Dezembro … a três dias das decisivas eleições autárquicas de 12 de Dezembro, alegando “cansaço e necessidade de se dedicar à carreira académica”.
O executivo de Balsemão, de coligação, da Alternativa Democrática, que aliava o PSD ao CDS, já era o segundo desde 1980, após a morte de Sá Carneiro, e o primeiro-ministro continuava enfraquecido politicamente, muito atacado pelos seus críticos no interior do PSD.
Balsemão diz nas memórias que foi “o maior balde de água fria” que recebeu desde que em 1980 foi indigitado Primeiro-Ministro e “um golpe baixo” de Marcelo. “Para não dizer, a maior traição, o que seria talvez o mais apropriado”, acrescenta no livro.
É que Balsemão, a três dias das eleições, pediu natural reserva a Marcelo sobre a demissão deste como ministro. Marcelo garantiu que sim mas no dia seguinte a notícia aparecia nos jornais. Jaime Gama, então porta-voz do PS, chegou a escrever: “a desagregação da AD é tão grande que o Governo começa a cair antes de saber os resultados eleitorais”.
As eleições autárquicas acabaram por traduzir uma derrota para a Alternativa Democrática, o que levou à queda do governo de Balsemão.
Outra história que envolve Marcelo, passou-se com Paulo Portas. Em 1992, Marcelo tinha ido a Belém, juntamente com outras personalidades, para uma reunião com o então presidente Mário Soares. A reunião era confidencial mas Marcelo acabou por contar o seu conteúdo ao jornalista Paulo Portas, do jornal Independente. Só que inventou o que se tinha passado, chegando a contar que tinha sido servida uma sopa francesa Vichyssoise, o que Portas desmascarou através do cruzamento com outras fontes. Portas cortou relações com Marcelo durante anos e disse um dia na televisão sobre o hoje Presidente da República: “Deus deu-lhe a inteligência e o Diabo a maldade”.
O ex-Procurador Geral da República, Cunha Rodrigues, também se queixa de Marcelo no seu livro de memórias. Diz que deixou de almoçar com Marcelo depois da conversa que tiveram à mesa ter sido revelada num programa de rádio, “Exame”, onde Marcelo fazia comentário político.
Também Pedro Feytor Pinto, colaborador de Marcelo Caetano (este era protector de Marcelo Rebelo de Sousa por ser amigo do pai Baltazar) contou, numa entrevista ao jornal i, que o hoje Presidente da República, “jantava todos os fins-de-semana em casa do professor Marcello Caetano, ajudava a escrever as ‘Conversas em Família’. Depois vinha e dizia tudo ao contrário”. O presidente do Conselho tinha uma relação ambivalente com Marcelo, gostava dele mas dizia frequentemente: “Ai este Marcelo Nuno…”