Motor do Cessna parou em voo dois dias antes de cair com Sá Carneiro
“Eu não quero andar mais neste avião”. Foram estas as palavras definitivas do ex-ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, a 2 de dezembro de 1980, sobre o avião, um Cessna 421, que o levou de regresso a Lisboa depois de ir ao Algarve em campanha eleitoral, juntamente com Mota Pinto, para um comício de apoio ao então candidato presidencial da direita, Soares Carneiro.
Na aterragem no Algarve , um dos motores do aparelho parou e Amaro da Costa ficou em pânico.
Ainda regressou no mesmo Cessna a Lisboa, com muito medo mas controlando-o, como fazem muitas pessoas perante uma anomalia num avião que, entretanto, foi reparada.
O facto é que dois depois, um Amaro da Costa apressado para chegar a um novo comício no Porto, volta a andar, desta vez fatidicamente, no mesmo avião, que cai em Camarate a 4 de dezembro de 1980, vitimando também o primeiro-ministro Sá Carneiro, Snu Abecassis, e acompanhantes.
O registo do acidente que o Cessna 421 sofreu no Algarve a 2 de dezembro de 1980, com Amaro da Costa e Mota Pinto a bordo, é feito na biografia do primeiro, da autoria da irmã e ex-deputada Maria do Rosário Carneiro e da jornalista Célia Pedroso (Editora Casa das Letras, 2010).
“Nesse dia, já tarde, quando volta do Algarve, no mesmo Cessna onde morreria, manifesta um grande pavor. António Corte Real [chefe de gabinete de Amaro da Costa], que viajou com ele, relata: ‘Aterrámos num aeroporto pequeno, ao lado do Hotel Penina, no Algarve. E ao pousar, o motor esquerdo parou, parece que ao aterrar é menos grave . Mas o Adelino ficou cheio de medo, não ficou nada tranquilo com aquela aterragem. Tanto assim, que à vinda para Lisboa, ele disse ‘eu não quero andar mais neste avião. O colaborador conta ainda que durante o voo do Algarve para Lisboa a dada altura Mota Pinto perguntou-lhe ‘vens a dormir’’? e Adelino respondeu: ‘não, venho a rezar.”
O Cessna 421 onde caiu Sá Carneiro, Amaro da Costa e acompanhantes tem um historial de avarias que é relatado noutro livro, “Snu e a Vida Privada de Sá Carneiro”, da autoria da jornalista Cândida Pinto (Dom Quixote, 2011)
O avião, fabricado nos anos 1960, foi comprado em 1980 na Venezuela por um empresário português, que contratou dois pilotos, Jorge Albuquerque (vitimado em Camarate) e Vilfredo Fernandes para o irem buscar em agosto do mesmo ano e trazer em voo para Portugal.
A jornalista escreve: “sempre que estão no ar encontram problemas, como vibrações excessivas , peças degradadas, ou a reduzida autonomia que os faz aterrar múltiplas vezes”.
E recolhe o depoimento do piloto Vilfredo Fernandes: “O avião deita combustível por todo o lado, os tubos estão mal ligados, por isso o combustível perde-se, não passa dos depósitos auxiliares para os principais”.
Na Gronelandia, em mais uma escala para chegar a Portugal, “um dos motores pára” e “há uma explosão no motor que se incendeia”.
Quatro meses depois voltou a acontecer o mesmo com este avião, vitimando Adelino Amaro da Costa e Francisco Sá Carneiro.
Num livro recentemente editado, “Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente”, da autoria do jornalista João Céu e Silva, um conjunto de entrevistas com o ensaísta, Pulido Valente é perentório sobre a queda do Cessna que vitimou Sá Carneiro: “Não tenho a menor dúvida de que foi um acidente, nunca um atentado. A avioneta tinha tido uma avaria em voo e feito uma aterragem forçada, e não é que o Sá Carneiro se mete nessa mesma aeronave para chegar a um comício no Porto” [Pulido Valente parece referir-se precisamente ao motor parado do Cessna na aterragem no Algarve em 02.12.1980).