O país onde Otelo não se discute
A história fará a radiografia de Otelo de forma mais objectiva e retirará as suas conclusões.
Quase 50 anos depois do 25 de abril, ainda não se discutiu Otelo, o que faz com que muitos o homenageiem com pompa quase acriticamente.
Como é que um homem que faz o 25 de abril contra uma ditadura, promove ou branqueia que se instale outra ditadura em 1975, com prisões arbitrárias e mandados de detenção em branco?
Como é que um homem que, perdido o combate nas urnas quando se candidatou em 1976 à Presidência da República, quebrada esta legitimidade eleitoral, se lança em 1980 na aventura revolucionária terrorista das FP 25 de Abril, que matou dezenas de alegados “reaccionários” e arrependidos da própria organização?
É preciso lembrar que a história desta República que começou com o 25 de abril, se fez com homens que continuaram saudosistas de Otelo, pelo menos no coração, e do seu romantismo revolucionário que associava Che Guevara a Fidel Castro.
Foram o PS e o PCP (mais uma geringonça) que em 1999 amnistiaram Otelo Saraiva de Carvalho, condenado a 15 anos de prisão. O Ministério Público e o Tribunal fizeram o seu trabalho. Socialistas e comunistas sentenciaram politicamente.
Só para dar dois outros exemplos mais singelos.
Jorge Sampaio votou Otelo em 1976, confissão que até levou António Costa a dar-lhe uma reprimenda.
Augusto Santos Silva, o ministro há mais tempo no poder, com 15 impressionantes anos em várias pastas ministeriais, um bom exemplo de transformismo no regime e da sua crise larvar, também votou Otelo em 1976.
E muitos outros votaram Otelo, sobretudo na esfera do PS (não esquecer que no I Congresso dos socialistas em 1974, Mário Soares ganhou por uma unha negra contra a linha esquerdista do PS de Manuel Serra).
Otelo ainda não se discute (na discussão até podem existir atenuantes para Otelo, muito à portuguesa, assinava mandados em branco porque precisava ir dormir, os seus blocos sobre as FP-25 de Abril eram só teorias e um bando de irresponsáveis apoderou-se da sua imagem de capitão do 25 de Abril para fazer sangue, meter um punhado de reaccionários no Campo Pequeno foi só de boca quando chegou de Cuba porque realmente nunca partiu para a chacina).
Como Portugal ainda não discutiu o papel do PCP no golpe de 25 de Novembro de 1975, que levou ao contra-golpe dos militares moderados de Ramalho Eanes.
Como nem a Nação nem o Ultramar se discutiam no tempo de Salazar e Marcelo Caetano.
Portugal tem medo de enfrentar os seus fantasmas e prefere viver com eles.