O mistério da obra-prima de Amadeo, propriedade de João Rendeiro
O maior historiador e crítico de arte português, José Augusto França, recentemente falecido, diz que o quadro é inteiramente inovador na obra de Amadeo de Souza Cardoso — o expoente máximo do modernismo português — e na pintura portuguesa, sendo uma obra que aflora o cubismo.
Trata-se da obra de Amadeo, Cabeça Heráldica ou Cabeça de Cavaleiro, datado de 1912.
José Augusto França gostava tanto deste quadro de Amadeo que o comprou, não se sabe quando nem a quem. Antes de 2000, em circunstâncias que ainda não se conhecem, vendeu a obra ao ex-banqueiro João Rendeiro, hoje foragido à justiça. O preço é outra incógnita mas pode ter sido bastante alto.
João Rendeiro diz numa biografia que lançou em 2007 que o quadro, apesar de ser propriedade de José Augusto França, estava “depositado no Museu do Chiado”. O ex-banqueiro conta que o então director deste museu, Pedro Lapa, “não ficou nada satisfeito” por não ter sido informado da transacção.
José Augusto França “não o tinha avisado de que pretendia vender a tela. Pedro Lapa soube-o quando a compra estava praticamente concretizada. Encontrei-o numa exposição e perguntei-lhe se estava muito aborrecido. Admitiu que sim, mas a partir dali nasceu uma boa relação” (in Myriam Gaspar, João Rendeiro, Testemunho de um banqueiro, Deplano Network SA e Autores, Lisboa 2008). Pedro Lapa havia de se tornar um dos curadores da Fundação Ellipse, criada por João Rendeiro em 2006, para constituir uma colecção de arte.
Quando João Rendeiro começou a ter problemas com a justiça, logo após a crise de 2008, foram arrestadas em 2010 mais de cem obras de arte que eram propriedade do ex-presidente do Banco Privado Português mas a “Cabeça Heráldica” não constava no rol, segundo apurou esta semana o jornal “Público”.
O paradeiro do quadro é hoje desconhecido.
José Augusto França escreve sobre Cabeça Heráldica o seguinte: a “consciência de planos” da obra é “inteiramente nova no trabalho de Amadeo, de modo a criar um dinamismo espacial à sua volta e, sobretudo, na sobreposição de traçados do perfil da figura, e na duplicação das pupilas do olho visível, aludir às pesquisas contemporâneas do cubismo – que assim se adapta à linguagem desta pintura “in progress”.
França diz mesmo que este quadro demonstra o afloramento cubista em Portugal através de Amadeo: “Amadeo não sente, ainda, em 1912, a necessidade de uma solução cubista de volumes e superfícies que à sua volta se processava, mas parece atento a tal situação, até a evocar numa figura que, em transição, marca um ponto especialmente importante do seu percurso (in José Augusto França, História da Arte em Portugal, O Modernismo, Editorial Presença, Lisboa 2004).