Os equívocos de Cavaco Silva
Há vários equívocos no artigo e entrevista de Cavaco Silva da semana passada, respectivamente no jornal Observador e CNN Portugal. No primeiro atacando o imobilismo de António Costa em fazer reformas e enaltecendo indirectamente o sucesso dos seus governos. Na segunda, elogiando Passos Coelho e recusando-se a atacar o Chega.
Cavaco chegou ao poder como primeiro-ministro em 1985, logo depois do segundo pacote de auxílio internacional a Portugal, executado pelo primeiro-ministro Mário Soares. O país tinha, portanto, as finanças em ordem e Cavaco beneficiou disso nos anos em que governou. Pode dizer-se que António Costa também beneficiou do programa de estabilização financeira da troika, após o país ter entrado em bancarrota em 2011, aplicado por Passos Coelho, mas os tempos de 1985 nada têm a ver com os de 2015.
Portugal entrou para a CEE em 1986, quando Cavaco era primeiro-ministro. Os fundos europeus jorravam de Bruxelas, como se fossem poços de petróleo em Portugal. O país fervilhava de dinheiro e muitos projectos foram desenvolvidos com este dinheiro. A CEE era composta apenas por 15 países, o que permitiu uma distribuição muito generosa dos fundos. Hoje, tudo é diferente, o dinheiro para Portugal é mais escasso, a União Europeia duplicou os países que a integram e os novos aderentes têm prioridade nos apoios, para se consumar a coesão, como Portugal teve prioridade em 1986. As oportunidades esgotam-se, como se esgotou o ouro do Brasil no século XVIII. Foram, portanto, essencialmente, factores externos que estiveram na origem do sucesso de Cavaco.
Em 2001, Portugal adoptou a moeda única, ficou dependente do Banco Central e da fixação das taxas de juro. A paridade e conversão de escudos em euros foi feita em “alta”, num diferencial que pode ter chegado aos 30 por cento. A intenção era ser um desafio para o país, mostrando a coragem portuguesa à Europa. Foi como meter peças de um Rolls Royce num Fiat 600. A economia ressentiu-se de imediato em 2003 e Portugal nunca mais teve taxas de crescimento idênticas às dos anos 1980 e 1990.
Na entrevista à CNN, Cavaco diz que “o PSD devia elogiar o trabalho que foi feito pelo governo do doutor Passos Coelho”. É fácil falar, quando se goza a reforma e nada está em causa. Em 1985, quando chegou à liderança do PSD, Cavaco reagiu de forma muito diferente. Foi ele quem rompeu com o governo do Bloco Central, que retirou o país da bancarrota através do programa do FMI para Portugal.
A colagem a Passos Coelho tem muitos riscos. Passos foi corajoso e determinado, o que lhe valeu, aliás, um razoável resultado eleitoral nas eleições legislativas de 2015, mas muitos portugueses não esquecem que Passos foi além da troika no programa de austeridade, exortou os jovens a emigrarem e pretendia aumentar a TSU para os trabalhadores (que esteve na origem da maior contestação popular de sempre em Portugal).
Na mesma entrevista à CNN, Cavaco Silva diz que o grande adversário político do PSD “é o PS, não são os outros partidos”. Do Chega não fala, mas o Chega é o elefante na sala. Há duas teses no PSD. Aquela que não fecha a porta a alianças com o Chega, corporizada no ex-líder Rui Rio e no actual Luís Montenegro e a tese de que o PSD nunca terá um excelente resultado eleitoral se abrir a porta ao partido de André Ventura. Esta última é a tese defendida por Jorge Moreira da Silva, que assenta no facto de o eleitorado do centro preferir votar no PS e não no PSD, com receio que o partido laranja se alie ao Chega (o que aconteceu nas últimas legislativas, paralelamente ao voto útil da esquerda em António Costa).
Há outro equívoco que está sempre presente nas intervenções auto-meritórias de Cavaco Silva, que é o de os seus governos terem colocado Portugal a crescer mais do que executivos do PS. A contagem é polémica mas, mesmo a ser assim, Cavaco apresentou melhores taxas de crescimento em grande medida pelos fundos europeus de que foi beneficiário. Outro equívoco prende-se com as acusações de despesismo que Cavaco faz frequentemente aos governos de esquerda (chamou monstros aos orçamentos de António Guterres), quando os governos de Cavaco Silva aumentaram a despesa pública em 4,3% do PIB, marca só superada pelos governos da Aliança Democrática em 1979 e 1980, curiosamente também com Cavaco Silva como primeiro-ministro.