Óscares de Hollywood: uma cenoura para os feios, porcos e maus de Trump
Primeiro utilizaram as cerimónias dos Óscares para espancar Trump, como fizeram Meryl Streep e Roberto De Niro. Foram bem sucedidos, com a vitória de Joe Biden.
Agora, dando o Óscar de Melhor Filme a Nomadland – Sobreviver na América, que retrata a América branca profunda, da classe média baixa, a principal base eleitoral de Trump, tentam integrar estes “deploráveis”, como lhes chamou Hillary Clinton, no sistema americano, no American way of life. Sempre os mesmo truques do velho Oeste.
Mostram-lhes que podem fazer parte da história da América e do sonho americano na tela do cinema. Na vida real é certo que vão continuar desempregados, com salários baixos e errantes pela América, sem casa e muitos condenados a viver em carrinhas, como a personagem principal de Nomadland, mas a sua história dá-lhes estrelas de Hollywood e não são apenas retratados como um bando de energúmenos que atacaram o Capitólio. Na fábula do burro e da cenoura, dão-lhes o tubérculo para os guiar.
Verdadeiramente, mesmo quando protestam e votam Trump, eles só querem mudar de vida mas o Partido Democrata que mais os podia ajudar (talvez Bernie Sanders), há muito que não tem propostas políticas para eles e as elites de Nova Iorque e da Califórnia, que são também as de Hollywood, desprezam-os culturalmente como feios, porcos e maus.
Além de Nomadland, também Lamento de uma América em Ruinas, foi este ano nomeado para um Óscar de Melhor Actriz Secundária, Glenn Glose, outra militante anti-Trump. É mais um filme sobre a classe média baixa branca norte-americana, baseado num livro, como Nomadland, em que o autor J.D. Vance escreve: “O surpreendente é que, de acordo com algumas pesquisas, os brancos da classe trabalhadora sejam o grupo mais pessimista da América. Mais pessimistas do que os imigrantes latinos, muitos dos quais vivem em pobreza extrema. Mais pessimistas do que os afro-americanos, cujas perspectivas de avanços materiais continuam a arrastar-se atrás das dos brancos.”
A vitória de Nomland tem ainda outro significado. A realização é de uma sino-americana que abraçou a cultura americana, Chloé Zhao. Também ganhou um Óscar. O sistema de comércio mundial que tirou partido da China nos últimos 20 anos mas criou um colosso imprevisível e a avidez de muito portentado norte-americano que deslocalizou as suas produções (causando desemprego) deixou os EUA em perda de poder económico e estratégico, na iminência de ser ultrapassado por Pequim ainda esta década.
Hoje, Chloé é a marca de que na tela do cinema os EUA levam a melhor. Mas é uma vingança de chinês, uma pequena vingança, que só existe na ficção. Mais uma vez, o mundo real é muito diferente.
Paulo Gaião
Director