Paris continuou a ser uma festa com a ocupação nazi
O marechal Pétain e Pierre Laval são a imagem do colaboracionismo francês com a Alemanha nazi, que ocupou a capital francesa em 14 de Junho de 1940. Mas muitos outros ilustres franceses se não colaboraram com a Alemanha, ficaram expectantes, como conta o ensaísta norte-americano Louis Menand no livro O Mundo Livre – Arte e Pensamento na Guerra Fria, editado recentemente pela Elsinore. Menand utiliza o termo “attentistes” para ilustrar o comportamento dos franceses que ficaram à espera que a situação política se definisse.
O Objectivo publica extractos do livro de Menand, uma obra de referência, sobre a temática: “A maioria dos parisienses, porém, não pertencia nem ao grupo dos colaboracionistas nem do dos resistentes, encaixando antes na categoria dos attentistes: limitava-se a esperar. Estas pessoas tinham perfeita consciência da falsidade das aparências e da fragilidade da vida normal, mas descobriram que era possível coexistir, e até por vezes confraternizar, com os alemães e, ainda assim, seguirem com as suas vidas sem sentir que tinham sacrificado uma parte substancial da sua dignidade moral ou política.
Quase todos os pintores surrealistas fugiram, pois o surrealismo era um alvo da cruzada nazi contra a arte degenerada. Mas Picasso permaneceu na cidade durante a guerra. O poeta Paul Valéry lecionou no Collège de France. Georges Braque expôs as suas pinturas. Jean Cocteau continuou o seu trabalho sem interrupção. E o mesmo fez Christian Dior, que vestiu as mulheres dos nazis. Coco Chanel fechou a porta, mas parece ter-se tornado agente alemã. Maurice Chevalier e Édith Piaf cantaram e Alfred Cortot tocou para plateias mistas de franceses e alemães. A carreira do ator e realizador Jean-Louis Barrault foi lançada na Comédie-Française durante a Ocupação. A indústria do cinema, sob supervisão nazi e expurgada de judeus, continuou a produzir filmes. Os grandes restaurantes mantiveram-se abertos e sem alterações. E, apesar das instruções de Joseph Goebbels para que Berlim fosse transformada na capital europeia da moda, as casas de moda persistiram e, tendo em conta a escassez de materiais, o sector prosperou.
Depois de ter permitido que os alemães expurgassem a sua lista de obras antinazis escritas por judeus, Gaston Gallimard pôde gerir a sua editora. (A lista dos livros proibidos, que entrou em vigor em setembro de 1940, era conhecida como a Lista de Otto, em referência a Abetz.) Gallimard fez a vontade aos alemães e despediu o único judeu conhecido a trabalhar na editora, Jacques Schiffrin, que criara a coleção Pléiade de escritores franceses clássicos e a trouxera para a Gallimard em 1916, Gallimard também publicou a prestigada Nouvelle Revue Française (…)
O negócio dos clubes noturnos e dos cafés floresceu. Mais de metade dos duzentos cabares que funcionaram durante a guerra no centro de Paris abriram depois de 1940. O cenário incluía agora oficiais alemães, mas, de resto, não sofreu alterações. Na verdade, acabou por sair reforçado, pois uma forma de lidar com o recolher obrigatório era beber a noite inteira. Como gesto de resistência, alguns escritores recusaram-se a publicar durante a Ocupação, com a justificação de que as revistas como a NRF e as editoras estavam sob controlo alemão; uns quantos escritores publicaram livros hostis para os ocupantes e foram enviados para os campos de concentração ou executados. Mas a maioria continuou a desenvolver a sua carreira. Georges Bataille, Paul Éluard, François Mauriac, Jacques Prévert, Raymond Queneau, Jean Anouilh, Colette e Marguerite Duras trabalharam em Paris durante a Ocupação. Camus publicou L’ Étranger e Le Mythe de Sisyphe (depois de ter acedido ao pedido de Gallimard para retirar um ensaio sobre Kafka, uma vez que os judeus não podiam ser mencionados em livros publicados em território ocupado pelos alemães). Também escreveu duas peças de teatro. Simone de Beauvoir publicou o seu primeiro livro, L’Invitée. Georges Clouzot realizou Le Corbeau. Marcel Carné realizou Les Enfants du paradis. Olivier Messiaen compôs grande parte de Quatuor pour la fin du temps num campo de concentração em Görlitz, no Leste da Alemanha, onde e a peça musical teve a sua estreia em 1941. Messiaen foi libertado no final desse ano e viveu em Paris até ao fim da guerra, trabalhando como organista, compositor e professor no Conservatório de Paris”.