Patricia Highsmith esteve em Lisboa em 1963: “meninas de dez anos a pedir, descalças, de andrajos e pernas nuas”
A escritora norte-americana Patricia Highsmith esteve em Portugal pela primeira e única vez em 22 de Fevereiro de 1963, tendo feito um registo da estadia no seu diário. O Objectivo publica-o, integrando o livro “Diários e Cadernos” (editora Relógio D’Água).
“Lisboa. Porto vagamente caótico e disperso. Percorri cerca de três quarteirões, depois virei à direita, em direção ao ‘centro’. Meninas de dez anos a pedir, descalças, de andrajos e pernas nuas. Têm a zona inferior das pernas tracejada de veias rosa – varizes incipientes? Ou será do frio deste inverno? Apanhei giesta, enfiando a mão através de uma grade ao lado do passeio, e prendi-a na lapela da gabardine. Começou a chover, depois a chuva parou, o sol apareceu, voltou a chover. Eram quatro da tarde. Apanhei um elétrico para a Rua de Oura [sic]. Ourivesarias, charcutarias, cafés, comprei um fio de ouro por trinta dólares em cheques American Express. Depois tomei um expresso delicioso ao balcão de um café. Vi A Game for the Living num quiosque de jornais. Um menino muito simpático e de ar sério distribuía panfletos rosa, que anunciavam um espetáculo de folclore num clube noturno, hoje à noite. Estava de calçõezinhos, meias brancas até aos joelhos, colete vermelho. O terminal ferroviário é bizantino, com uma porta arqueada e estátuas antigas de reis e heróis do lado de fora, moderno por dentro. Lembra sobretudo Espanha. Os táxis são todos Mercedes-Benz. Em geral, as pessoas parecem abastadas. As ruas são sinuosas, culminando num monumento. Um homem a cavalo, uma coluna. Junto ao porto, José I a cavalo, em cobre – ou bronze – esverdeado. Um parque de estacionamento em redor”.