Relatório “secreto” descreve torturas a Marcelino da Mata a seguir ao 11 de março de 1975
O ex-militar Marcelino da Mata, combatente na guerra colonial, falecido em 11 de fevereiro de 2021, figura polémica, acusado à esquerda da prática de crimes de guerra e homenageado à direita pela coragem e pelo serviço ao país, é um dos militares que consta no “Relatório da Comissão de Averiguação de violências sobre presos sujeitos às autoridades militares”, datado de 1976, com a chancela da Presidência da República e elaborado por uma comissão nomeada pelo Conselho da revolução que teve como membros, entre outros, Ângelo Almeida Ribeiro, mais tarde Provedor de Justiça, e Francisco Sousa Tavares, deputado e ministro
Este relatório foi recentemente desclassificado como “secreto” pela Presidência da República, tornando acessível a sua leitura.
No relatório citado referem-se as violências cometidas no Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS) contra vários militares, entre os quais Marcelino da Mata, e não militares:
“Marcelino da Mata, Alferes Comando, queixa-se de que: na tarde de 17MAI75, ouvindo noticiar na rádio que se encontrava preso, apresentou-se de imediato na sua unidade, o Regimento de Comandos nº 1, de onde foi conduzido para o RALIS, ficando aí detido; foi interrogado no RALIS acerca do Exército de Libertação Português (ELP) e de actividades conspiratórias contra a Guiné, assuntos de que nada sabia; durante o interrogatório, que se prolongou desde a meia-noite até cerca das 07h00 do dia seguinte, 18MAI75, foi agredido violentamente com uma cadeira de aro de ferro e com cinturão, e foi torturado com choques eléctricos nos ouvidos, sexo e nariz, do que resultou ter desmaiado; cerca das 09h00 foi algemado e conduzido a uma cela que um militar, entretanto, encheu de água até ao nível dos tornozelos; pelas 23h00 foi retirado da cela e conduzido ao Forte Militar de Caxias; esteve sem comer e sem dormir desde as 17h00 do dia 17 até às 09h00 do dia 19; no RALIS retiraram-lhe todos os documentos, vários objectos e mil e quarenta escudos em dinheiro”.
O documento cita ainda o relatório médico de Marcelino da Mata, relativo às consequências das agressões:
“Em 19MAI75, politraumatizado, ‘apresenta-se com equimoses profusas espalhadas por todo o corpo, mais numerosas nas regiões costais, com edema subcutâneo generalizado e sufusões da pele do dorso; apresentava ainda algumas feridas contusas na região na região dorsal média direita, de profundidade de cerca de 0,5 cm … em estado evolutivo que permitiram concluir terem sido provocadas por objecto rombo agredindo com violência e há mais de oito horas’ . Segundo o exame de sanidade, em 17SET75, as lesões sofridas devem ter provocado vinte dias de doença”.