Um Governo que tomou posse às dez da noite por causa de um ministro sequestrado pela mulher
Os anos da transição democrática portuguesa, em 1974 e 1975, têm histórias deliciosas não só políticas como também conjugais. O VI Governo Provisório, chefiado pelo Almirante Pinheiro de Azevedo tomou posse apenas às dez da noite de 19 de Setembro de 1975 porque o futuro ministro da Justiça, João de Deus Pinheiro Faria, ex-Procurador Geral da República, foi sequestrado em casa pela mulher, que não queria que ele fosse para ministro. Quem conta a história é o ex-conselheiro do Conselho da Revolução, Rodrigo Sousa e Castro, presente na cerimónia, no seu livro “Capitão de Abril, Capitão de Novembro” (editora Guerra e Paz). O Objectivo publica este extracto do livro:
“A certa altura, com toda a gente já presente e a cerimónia prestes a começar, verifica-se que falta um ministro para tomar posse e a cerimónia fica em suspenso. O independente Pinheiro Farinha, indicado pelo seu amigo Salgado Zenha, faltava à chamada. Sobressalto, alvoroço, telefonema para casa a saber se algo tinha ocorrido. O insólito estava a acontecer, a mulher de Pinheiro Farinha decidira reter o marido em causa porque discordava da sua ida para o Governo, e a verdade é que ele admite que está retido. A solução de emergência encontrada foi simples. Salgado Zenha que ia também tomar posse como ministro das Finanças, encarregou a mulher de se deslocar a casa de Pinheiro Faria para entreter a mulher deste e possibilitar a fuga do retido para Belém, onde chega muito atrasado e comprometido, empurrando a cerimónia para um horário completamente imprevisível entre as 21h 30 e as 22h00.”
Pinheiro Faria, um distinto magistrado, foi responsável como ministro da Justiça pela revisão da Concordata entre Portugal e a Santa Sé. Quando o VI Governo Provisório cessou funções em 23 de Julho de 1976, Pinheiro Faria regressou ao cargo de Procurador-Geral da República, que exercia antes de ser ministro. Entre 1977 e 1986 foi presidente do Tribunal de Contas.