Uma machadada na democracia mundial
Há vinte anos o Ocidente fazia negócios com a Rússia mas denunciava os atentados às liberdades e aos direitos no país. Moscovo não tinha argumentos perante factos evidentes e foi obrigada muitas vezes a alterar ou suavizar as suas posições para ser aceite nos aerópagos internacionais.
Hoje, a estratégia oficial do Ocidente de que a Rússia precisa sair com o rabo entre as pernas da Ucrânia, não permite espaço para um mundo multipolar e pode atrasar muitos anos o processo para uma verdadeira democracia em Moscovo e noutros países do Globo também autoritários, como a China.
Ao contrário da ideia instalada no Ocidente (EUA, Canadá, UE, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul e Austrália) de que o aniquilamento da Rússia fará cair Vladimir Putin e pode reforçar a abertura do país ao Ocidente, o mais provável pode ser precisamente o contrário. O país tornar-se ainda mais autoritário, com um líder ainda mais musculado e populista que Putin.
A maior fragilidade do Ocidente na guerra do tudo ou nada na Ucrânia tem sido dar a imagem que quer um mundo unipolar, dominado geoestrategicamente por si. Ora, o resto do mundo considera que tem de haver lugar para vários intervenientes num espaço tão vasto como o mundo. Isto explica a não aplicação de sanções à Rússia em muitas zonas do Globo e mesmo a recusa em condenar a invasão militar da Ucrânia por Moscovo. África calou-se, na América Latina, só a Colômbia parece estar de pedra e cal com Kiev, na Ásia e Oceânia só o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália alinham incondicionalmente com Volodomir Zelensky. Três grandes colossos asiáticos, a China, a Índia e a Indonésia não se comprometem com Kiev.
Esta fragilidade do Ocidente fa-lo perder credibilidade e consistência para exigir o amadurecimento do processo democrático na Rússia e na China, que tem sido o grande e meritório papel da União Europeia nos últimos anos. Deu mais espaço de manobra aos líderes autoritários para receberem o apoio dos seus cidadãos, que podem querer mais liberdade e democracia, mas não querem ser escravos num mundo dirigido pelo Ocidente, sobretudo pelos EUA.
Fragiliza ainda, e muito, aqueles que lutam na Rússia e na China pelos direitos humanos, quer sejam cidadãos amantes da liberdade, quer sejam minorias étnicas na vastidão geográfica destes dois países. Parecem condenados à repressão.
Assim, o que há esperar com estratégia do Ocidente na Ucrânia, é que a Rússia se torne num Estado ainda menos democrático, onde as eleições são viciadas, os líderes se eternizam no no poder, como acontece com Putin há mais de 20 anos, e os direitos humanos e as liberdades são violados.
O mesmo se diga da China, o grande aliado táctico de Moscovo. Tem o caminho aberto para ter muitos anos de Partido único, o Partido Comunista, de autoritarismo e repressão das liberdades cívicas e de atentados aos direitos das minorias.